A música brasileira é, sem dúvidas, uma das maiores riquezas - se não a maior - que nosso país já produziu, e não há quem me convença do contrário. Pesquisar sobre a cultura brasileira, em especial os anos de repressão da ditadura militar, é uma das coisas que mais gosto. Afinal, toda a produção cultural da época, apesar dos quarenta e poucos anos depois, continua sendo maravilhosa e atemporal. A maioria das letras tinha algum tipo de cunho político e como se não bastasse, as músicas contavam ainda com uma grande sofisticação na melodia, traduzida em belíssimos arranjos. Até mesmo as canções que não tinham como foco a situação política do Brasil, passavam alguma mensagem.
E foi dessa "curiosidade", que acabei descobrindo - ou redescobrindo, afinal, já os conhecia - os Novos Baianos, um dos maiores e diferenciados expoentes da música brasileira dos anos 70. Composto por gênios da música, o grupo atingiu seu ápice com o álbum Acabou Chorare considerado por muitos o melhor e mais importante álbum da história da música nacional. Em 2007, a revista Rolling Stone colocou o disco em primeiro lugar na lista dos "100 maiores discos da música brasileira" a frente de grandes artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Jorge Ben Jor e Os Mutantes.
Os Novos Baianos foram compostos por Moraes Moreira (vocais e violão), Baby Consuelo (vocais), Pepeu Gomes (guitarra), Paulinho "Boca de Cantor" (vocais), Luiz Galvão (compositor principal) e também contavam com o grupo de apoio "Os Leifs" em suas apresentações. Posteriormente, com a saída de Moreira do grupo, Os Leifs passaram a se chamar "A Cor do Som" e acompanharam o cantor por sua carreira solo.
O grupo é, talvez, a maior demonstração do quanto a música brasileira deve ser valorizada, por sua história e qualidade. É praticamente impossível não viajar ao som da voz maravilhosa de Baby em "A Menina Dança", a poesia cantada de Paulinho em "Mistério do Planeta" - menção honrosa aos arranjos espetaculares de Moraes Moreira - ou um inspiradíssimo Pepeu Gomes na guitarra. Resumindo, da forma mais breve possível, os Novos Baianos foram, são, e sempre serão sinônimo de inovação e talento, do mais puro possível.
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Track by track
- Brasil Pandeiro - Uma releitura do famoso samba escrito por Assis Valente na década de 40. A letra fala sobre o sucesso do samba e de Carmen Miranda na divulgação da música brasileira nos Estados Unidos. A versão dos Novos Baianos não só trouxe a música de volta como se tornou tão famosa quanto a original.
- Preta Pretinha - Um dos maiores sucessos comerciais do grupo, esta música foi inspirada em uma desilusão amorosa das bravas do letrista Luiz Galvão. Nesta versão, mais longa, encontram-se arranjos mais desenvolvidos pela banda - apesar de ser composta por apenas dois acordes - e a constante repetição do verso "Eu ia lhe chamar/enquanto corria a barca" no fim da música.
- Tinindo Trincando - Apesar de não ser a mais conhecida do disco, é uma das minhas favoritas. A música começa com uma bela introdução de Pepeu Gomes na guitarra, que logo depois é acompanhado pela belíssima voz de Baby Consuelo. Destacam-se nesta música elementos diferentes, mas que fizeram parte de toda a carreira dos Novos Baianos, como o triângulo (representado a música nordestina) e a marcante percussão. Sem esquecer do cativante solo de Pepeu Gomes durante a canção. Ótima!
- Swing de Campo Grande - Confesso, esta música é a que menos me anima em todo o disco. Apesar do belo jogo de palavras na letra e do samba animado e executado de forma incompetente pelos instrumentistas do grupo.
- Acabou Chorare - Ouvindo a música que dá nome ao disco pela primeira vez, a provável sensação é de estranheza com relação à letra. Em versos quase infantis, com rimas "bobas" e acompanhado pela bossa nova inspirada por João Gilberto, os Novos Baianos cantam uma história contada pelo próprio João. De acordo a história, sua filha, ao levar um tombo, soltou a expressão "Acabou Chorare" quando viu a cara de preocupação do pai. A mistura do português com espanhol (que veio do período em que João Gilberto morou no México) fez com que a frase saísse assim.
- Mistério do Planeta - Na minha singela opinião, a canção é uma obra-prima da música brasileira. Os motivos são muitos. A genialidade na letra e na melodia é o que resume de forma perfeita a harmonia em que vivia o grupo quando o mesmo lançou o disco. Considerados por muitos como a música mais bem trabalhada pelos Novos Baianos, continua sendo, nos dias de hoje, uma das canções mais marcantes da história. Destaque para a dupla Moraes Moreira (violão) e Pepeu Gomes (guitarra).
- A Menina Dança - Outra ótima música do grupo. É interpretada de forma magistral por Baby Consuelo, que nessa altura do campeonato está em seu "clímax músical" no disco. Na minha opinião é, de longem a melhor canção dela em toda sua história com o grupo.
- Besta é Tu - Outra canção animada construída totalmente sobre a música genuínamente brasileira. Em um samba alegre, o grupo pergunta para quem os ouve:"Por que não viver nesse mundo, se não há outro mundo?".
- Um Bilhete Para Didi - Para "encerrar" o disco, uma música que pode ser definida como uma grande jam. E o melhor de tudo, uma jam bem brasileira: enquanto o baião nordestino rola solto, Pepeu Gomes interage com solos de guitarra durante toda a música. Belíssima demonstração da qualidade técnica musical dos Novos Baianos.
- Preta Pretinha (versão curta) - É a versão curta da segunda faixa do disco, sem tantos arranjos e mais "direta". Foi feita apenas com o intuito de ser mais comercial do que a original. Por uma ironia, a versão mais tocada nas rádios foi aquela com seis minutos de duração.
Nota
8,5/10
Melhor música
Mistério do Planeta
Prestar atenção em
Tinindo Trincando
Curiosidades
-O grupo viveu por muito tempo em um sítio em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O fato curioso é o modo como os integrantes viviam. De forma quase anárquica, os Novos Baianos deixavam o dinheiro arrecadado em shows em uma sacola atrás de uma porta na cozinha da casa. Cada um tirava o quanto achava necessário para si mesmo.